Em
Ranha de S. João, uma pequena localidade da freguesia
de Vermoil, em Pombal, o cemitério local, que os moradores
dizem ser 'privado', é gerido por uma comissão
que, há mais de 40 anos, decide quem pode ou não
ser ali sepultado. O espaço foi, nessa época, construído
com o dinheiro do povo que, desde então, reclama a sua
posse e a sua gestão. Que deveria pertencer à Junta
de Freguesia, segundo admite Ilídio Mota, autarca de Vermoil,
justificando ser sua pretensão chegar a um "entendimento
cordial" para que a gestão do espaço passe
para a autarquia, como está previsto na lei.
Há uma semana, a morte de um homem, de 35 anos, residente
há cinco na localidade, acendeu a polémica. A mãe
do defunto contactou a comissão, no sentido de o filho
vir a ser ali enterrado. De acordo com a comissão, que
admite não haver qualquer regulamento escrito do cemitério,
só são ali sepultados os naturais da localidade.
A excepção é feita aos que, sendo apenas
residentes, adquiram um terreno. Como a família não
tinha posses para o fazer, José de Sousa, um dos dois
elementos que compõem a comissão, esclareceu que "teria
que ser feita uma reunião para analisar o caso". "A
pessoa que morreu não era da Ranha e eu não podia
decidir enterrá-lo correndo o risco de a população
me vir acusar de estar a beneficiar alguém de fora",
esclareceu, para sublinhar, quando questionado sobre isso, que,
se a mulher tivesse dinheiro para comprar o terreno não
teria dúvidas em autorizar o enterro. "Qualquer pessoa
pode comprar lá um terreno", explicou.
Esta
regra, que se mantém desde há 40 anos, preocupa
o presidente da Junta. Ilídio Mota considera que deveria
ser seguido o princípio genérico dos cemitérios,
segundo o qual todos os residentes da área têm direito
a inumação independentemente de adquirirem sepultura.
As
contas do cemitério são outro dos pontos de
discórdia. Manuel Ferreira, da Assembleia de Freguesia
de Vermoil, assegura que "nunca aquela comissão prestou
contas". José de Sousa confirma, justificando que "a
Junta nunca pediu para as ver".
A
comissão não tem limite de tempo nos seus mandatos.
A actual está em funções desde há dez
anos.
Cemitérios são públicos
Alexandre
Zagalo, jurista, ouvido pelo JN, esclarece que "os
cemitérios têm que ser geridos pelo poder público",
sublinhando que "não há a figura dos cemitérios
privados". São as instituições e associações
de direito público quem tem a missão de gerir esses
espaços. O jurista esclarece que a única possibilidade
de haver uma comissão a gerir uma infra-estrutura desse
género é que ela seja nomeada por uma entidade
pública (Junta ou Câmara Municipal). "Mas terão
sempre que prestar contas à entidade gestora", frisa. "Nos
cemitérios, a única razão para impedir um
enterramento será a falta de espaço. Se a família
mostra vontade em que seja ali sepultado, presume-se que seja
essa a vontade do defunto. E os direitos de personalidade não
se extinguem com a morte", diz.