No ano em que o Colégio João de Barros assinala
duas décadas de vida, o fundador e director da escola,
Valter Branco, fala sobre o papel dos pais na educação
dos filhos e reconhece o contributo destes para o sucesso escolar
dos jovens. Exigente consigo mesmo e com aqueles que o rodeiam,
procura seguir, a par e passo, a formação integral
dos alunos. Reconhece que a violência é um fenómeno
que ocorre em todas as escolas, mas com diferentes dimensões
em cada uma delas, e aponta a mudança de valores como
um dos principais factores para esta situação.
O Correio de Pombal (OCP) – O Sarau Cultural, que decorre
de 24 a 27 de Abril, tem este ano um sabor especial, tendo em
conta que o colégio comemora duas décadas de vida?
Valter Branco (VB) – Todos os anos tem um bom sabor, quando
correm com a normalidade que nós esperamos. O que nos
dá um pouco mais para festejo tem a ver com o facto de
ser o vigésimo ano lectivo. É sempre um marco importante.
OCP – No âmbito desta comemoração
dos 20 anos do colégio, há outras actividades previstas?
VB – Este ano é, de facto, um pouco diferente dos
outros. Está prevista uma Semana Cultural diferente das
dos anos anteriores, porque vamos também fazer o lançamento
do livro do “Joanão e Joaninha”, que é a
referência à peça que suporta o sarau. Além
desse lançamento, haverá ainda uma exposição
para recordar alguns momentos vividos aqui no colégio,
assim como também um filme com o que foi feito ao longo
destes anos lectivos. Adiámos também a cerimónia
da certificação do nosso sistema de gestão
da qualidade para esta altura. Estava previsto ser feita mais
cedo, uma vez que há um ano foi-nos atribuído um
certificado em como temos um sistema de gestão da qualidade
implementado, mas optei por aguardar para esta data esse festejo.
OCP – Impunha-se, no seu entender, a comemoração
destes 20 anos?
VB – Temos que nos agarrar a certas datas para se criar
algo diferente, embora procuremos anualmente fazer sempre coisas
novas. Por exemplo, o sarau esteve parado dois anos. No primeiro
deles foi para descanso, porque o trabalho é desenvolvido
pelos professores e alunos ao longo de um ano lectivo que, já por
si, tem muito trabalho. Temos que conciliar todas estas vertentes.
Como há muita gente envolvida no sarau, às vezes
criam-se situações de stresse que temos que saber
gerir. Por isso, convém parar para descansar um bocadinho
e assentar. Foi isso que nós fizemos, e optámos
por fazer um ano sim e um ano não. Contudo, apercebi-me
que o vigésimo ano lectivo ia coincidir com um de descanso,
o que nos levou a fazer um interregno de dois e regressar agora
com o sarau.
Este ano também o vamos fazer mais cedo (habitualmente
realizava-se no final do ano lectivo), devido à pressão
dos professores e de alguns alunos que acham que enquanto estão
no sarau não se empenham tantos nos estudos para os exames.
Daí o termos alterado a data, de forma a que os nossos
alunos não fossem penalizados com este período
de concentração para o sarau. Mesmo assim, se formos
ver no cômputo global, eles não têm sido muito
prejudicados nos exames nacionais. De qualquer maneira, se puderem
ser melhores, isso deixa-nos ainda mais satisfeitos.
OCP – Então e o que é que há 20 anos
motivou um engenheiro mecânico a ser o fundador deste projecto
educativo?
VB – A minha experiência no ensino não vem
só dessa altura. Quando acabei o curso, vivia-se uma época
má para as empresas e eu recorri, tal como muita gente,
ao ensino. Nesse período pós-25 de Abril, as empresas
não admitiam técnicos com boa qualificação,
nem era incentivada a criação desses postos de
trabalho, muito pelo contrário.
Acho que não há época nenhuma no ensino
em que entraram tantas pessoas dos vários ramos de engenharia
para o ensino. Felizmente, hoje já não é assim,
mas nessa altura foram muitos engenheiros para o ensino. Depois,
a profissão seduziu-me, gostei daquilo que estava a fazer
e acabei por ficar até surgir a ideia, uns anos mais tarde,
de abraçar este projecto.
OCP – No seu entender, o colégio trouxe desenvolvimento à freguesia
das Meirinhas?
VB – Penso que sim. Pelo menos não houve afastamento
da população, ao contrário do que se passou
noutras freguesias. Meirinhas tem um problema de espaço
físico, mas se assim não fosse certamente teria
muito mais crescimento.
Com o colégio, também atraímos mais pessoas
para a própria freguesia e até para o concelho,
porque temos professores que não são de Pombal,
mas que aqui se instalaram.
OCP – O ensino é hoje muito diferente daquele que
existia quando iniciou este projecto?
VB – Sim. A sociedade está em constante mudança.
Os valores das pessoas mudam e, quando isso acontece, os jogos
de comportamento são completamente diferentes. É aí que
sinto a grande diferença, embora nos poucos anos em que
dei aulas também me tenha apercebido de grandes mudanças.
É claro que o ensino também se tornou de massas
e isso trouxe consigo outros problemas, além da própria
alteração dos valores da sociedade, que já referi.
Quem viveu em épocas totalmente diferentes, apercebe-se
dessas mudanças.
OCP – Num país onde a disciplina de Matemática
revela taxas de insucesso elevadas, como é que o Colégio
João de Barros consegue contrariar esta tendência,
expressa no ranking das escolas publicado anualmente?
VB – De facto, ao longo dos anos em que os dados têm
sido divulgados, nós temos tido sempre os melhores resultados.
Significa que eles não são fruto do acaso, mas
sim do empenho de toda uma escola. Eu sou, como costumo dizer,
o maestro da orquestra, enquanto os outros são os executantes.
Tem a ver com o meu empenho em transmitir aos professores exigência,
para que eles também sejam exigentes com os alunos.
OCP – Será que é isso que muitas vezes falha
no ensino público?
VB – Isso acontece até por pressões dos
alunos, dos pais ou até mesmo da sociedade em geral. A
muitos pais, o que lhes interessa é que o filho passe
de ano, independentemente de se justificar ou não a sua
passagem.
OCP – Vive-se também muito para as estatísticas?
VB – Exactamente, mas esse é outro problema. Contudo,
e voltando à questão anterior, muitas vezes há também
uma grande competição pelas notas, porque procura-se
a escola A,B,C ou D pelo facto de ter boas ou más notas
e não pelo reconhecimento que possa ter dos alunos. Mas
nós aqui lutamos contra isso.
OCP – A par da aquisição de conhecimentos,
tem sido preocupação do colégio a formação
integral dos alunos, como o exemplifica a aposta no desporto,
nomeadamente no andebol?
VB – Aliás, o que está no nosso projecto
educativo é precisamente a formação integral
do aluno. O que eu costumo dizer aos pais, aos alunos e professores é que
para atingir essa formação integral temos que desenvolver
as várias formações. Além da científica,
também desenvolvemos a dos valores, a desportiva, artística,
multimédia, etc.
OCP – Os resultados no andebol espelham bem essa estratégia?
VB – Antes, o concelho de Pombal nunca teve os resultados,
a nível desportivo, que obteve connosco, o que nos dá uma
certa vaidade. Já trouxemos para Pombal, nos escalões
de formação, títulos nacionais, assim como
também um título internacional. Fomos campeões
europeus de desporto escolar, algo que nunca tinha acontecido
a nível nacional. Penso que fomos a única escola
a obter um título desses.
Procuro também acompanhar sempre a formação
dos alunos e não é por acaso que os recebo aqui
quando há comportamentos perturbadores, porque quero ser
eu a gerir, muitas vezes, essas situações. Permite
que haja uma certa equidade e que eu esteja a par daquilo que
está a acontecer.
Quando as coisas não estão a correr a bem, a preocupação é chamar
os alunos e os pais. O ano passado, por exemplo, no final do
1º período (fazemos sempre uma avaliação
no final de cada período com base nos resultados escolares
e na eficácia dos apoios que estão a ser dados),
verifiquei que havia turmas com grande percentagem de insucesso.
Imediatamente convoquei os docentes para ver o que se podia fazer
e fiz uma reunião com os pais e alunos daquela turma.
Investigámos para perceber porque é que aquilo
estava a acontecer, apresentámos os dados aos pais e demos-lhes
sugestões para mudar.
OCP – Há um défice de responsabilização
dos pais na educação dos filhos?
VB – Por achar que sim é que ajo desta forma. No
final do 2º período, as coisas melhorararam naquela
turma e, no final do ano, os resultados foram muito diferentes.
Por acaso, este ano voltou a acontecer, mas chamei novamente
os pais. Um deles tinha estado no ano anterior na dita reunião
e reconheceu que aquela tinha valido a pena.
Realço ainda que todos os períodos fazemos questão
de entregar aos pais as avaliações dos alunos sempre
em horário pós-laboral, assim como já o
fizemos ao sábado. É uma forma de os incentivar
a vir à escola e de os alunos verem que os pais estão
preocupados com eles.
OCP – Lamenta que tal não aconteça em todas
as escolas?
VB – Eu não tenho problemas, às vezes, em
lançar o dedo às coisas que estão mal, como
quando um director de turma recebe um pai no horário que
lhe dá jeito e nunca no horário que dá jeito
ao encarregado de educação. Por entender dessa
maneira é que temos um horário que permite aos
pais virem à escola. Além disso, todos os períodos
faço um levantamento estatístico daqueles que vêm
receber as notas e dou-lhes essa informação.
Naquela reunião que tive com os pais este ano projectei-lhes
o número de vezes que eles aqui vêm, para que tomem
consciência, nomeadamente aqueles que vêm pouco à escola,
de que isto é muito pouco, porque o que está em
causa é o futuro dos alunos, e isso preocupa-me.
OCP – Voltando à questão desportiva, acha
que o gimnodesportivo que a câmara vai construir na freguesia
dará um novo impulso aos atletas do colégio que
praticam andebol?
VB – Não tenho dúvidas de que nos irá trazer
grandes benefícios a nível de desporto escolar.
Nestes dias de chuva, as equipas não podem ter um treino
adequado e obriga-nos a deslocar para outros locais. Demora-se
mais tempo e, consequentemente, os alunos chegam mais tarde a
casa e ficam com menos tempo para estudar.
OCP – Em termos gerais, que avaliação faz
dos casos de violência escolar que têm vindo a público?
Afinal, o que falha? O Estado, a família?...
VB – Eu costumo dizer que o ser humano é imperfeito
e é muito mais fácil apontar o dedo ao outro. No
fundo, nós funcionamos muito dessa maneira. Se existe
este problema, a culpa é do outro. E depois andamos sempre
a estudar maneiras de acusar ou defender.
É claro que a culpa não é só de
uma pessoa, é de todos nós, embora a realidade
do nosso colégio não se compare com a de outras
escolas, felizmente. À nossa dimensão temos casos
que consideramos graves, mas que noutras escolas já não
o são. Se um aluno agride o outro, isso é uma forma
de violência. Porém, é algo que acontece
em todas as escolas, entre os alunos, assim como aquelas ameaças
que são feitas.
O que procuro é controlar essas situações.
Os meus professores têm indicações precisas
para não permitir actos de mau comportamento na sala de
aula. Se houver, eles têm que dar conhecimento, através
de uma participação, para se poder actuar.
OCP – Mas será que não se tem vindo gradualmente
a retirar autoridade ao professor?
VB – Eu não direi isso, porque o professor tem
autoridade. Agora, se é a autoridade desejada, isso é outra
coisa, mas autoridade tem. O professor tem poder para, na aula,
impor disciplina ao aluno. Se ele não é capaz de
o fazer, então tem que comunicar esses actos de indisciplina.
Depois, se a escola resolve ou não, isso já é outra
questão.
Fico muito triste quando alguns pais vêm cá, seja
porque foram chamados seja por sua iniciativa, e me pedem “faça
alguma coisa dele(a), porque eu já não consigo
fazer nada”. Fico um bocado desarmado dos meus argumentos
quando me dizem isto. Se um pai já não consegue
fazer nada do filho, como é que a escola vai fazer? Os
valores de família estão totalmente quebrados.
Já não há respeito. Quando uma filha agride
uma mãe, o que é que a escola pode fazer? Às
vezes faz mais até do que a própria mãe,
mas não é fácil lidar com estes problemas.
Há um conjunto de valores da nossa sociedade que provoca
isso tudo.
Texto de Manuela Frias