O missionário, natural do Louriçal, agredido à catanada
em Moçambique, está fora de perigo, mas completamente
cego, confirmou ao DIÁRIO AS BEIRAS, o seu irmão,
padre António.
O padre António Gonçalves, de 75 anos, irmão
do missionário João, de 78 anos, era a imagem
da angústia, ontem à tarde no lugar de Santo
António, Louriçal, Pombal, onde falou com à nossa
reportagem. É ele o chefe da Missão da Boa Nova,
instalada há 21 anos no distrito de Chiúre, Norte
de Moçambique. Foi aí que o seu irmão
de sangue e de fé ficou gravemente ferido num assalto
levado a cabo por, pelo menos, dois homens à casa paroquial
onde vivem, de que resultou também a morte do guarda
da habitação.
O pároco deslocou-se a Portugal há dois meses
para uma intervenção cirúrgica devido
a glaucoma, que continua a aguardar no Hospital da Figueira
da Foz. Para trás deixou João Gonçalves
e o colega padre José Marques, actualmente a viver sozinho
na casa paroquial, motivo de grande preocupação,
atendendo a que “os assaltos para roubar as placas solares
se têm repetido com muita frequência desde Novembro
do ano passado”. Aliás, foi esse o móbil
do crime ocorrido no dia 14 de Março, tal como já havia
acontecido anteriormente, num total de 15 painéis solares
roubados do cimo da habitação e também
do telhado da igreja de Chiúre.
Entretanto, a polícia moçambicana anunciou que
deteve ontem dois suspeitos do ataque. Nássimo Acimo,
procurador da República naquele distrito moçambicano,
onde se localiza a missão atacada sexta-feira, adiantou
que “mais indivíduos poderão estar sob
custódia policial em breve, logo que o juiz de instrução
criminal legalize a sua prisão”.
“
Os elementos que recolhemos no local do crime indiciam a participação
de outras pessoas no crime em que morreu o nosso concidadão
e foi também atacado o padre Gonçalves”,
afirmou.
João Gonçalves, 78 anos, é conhecido como
padre, mas é o próprio irmão que o nega,
explicando que “é um leigo da mesma sociedade
missionária”, com os mesmos princípios
e valores, que ajudava no serviço religioso, na horta
e na criação de animais. Agora, encontra-se internado
no Hospital Central de Maputo, onde deverá ser submetido
a novas intervenções cirúrgicas, devido
aos diversos cortes a cabeça e nos braços, um
deles fracturado. Já anteriormente cego de um olho,
ficou totalmente invisual depois de um dos golpes de catana
ter atingido fatalmente a outra vista. Nos contactos telefónicos
com o irmão em Portugal, a vítima relatou que
os médicos afirmam que a única solução
possível seria um transplante, o que é inviável
em Moçambique.
Daquela noite, João Gonçalves recordou à Lusa
que “o guarda sentiu-os lá em cima no terraço.
Foi lá e foi apanhado por um bandido. Eu não
tive coragem de o deixar sozinho e fui acudir, mas não
acudi nada”. O guarda foi entretanto lançado do
alto do telhado para o solo, ficando gravemente ferido, vindo
a morrer no dia seguinte. O irmão, em Portugal, garante
que irá regressar, assim que esteja restabelecido da
intervenção cirúrgica prevista. Os olhos
são, aliás, um órgão especialmente
vulnerável entre a família Gonçalves da
povoação de Santo António, uma vez que
um outro irmão, de 81 anos, também já foi
operado e a irmã mais velha, de 84 anos, está completamente
cega devido ao glaucoma.
O pároco explicou que é missionário em
Moçambique desde 1967, tendo recebido João em
1987. “Passei grandes dificuldades com as perseguições,
depois com a guerra e agora os ladrões, para além
da hostilidade política, que também não
falta”, lamenta o religioso, queixando-se de que já várias
vezes havia pedido mais segurança à polícia
local, sem resultados práticos. Quanto ao estado de
saúde do irmão, internado em Maputo, reconhece
que “é uma vida que se transforma para um homem
que deixou de ver, o que é um sofrimento muito pesado”.
António Rosado