Um milagre?
Sim. Pensamos: ‘será que temos direito a esse milagre?’.
E é à espera dele que ficamos até o fim.
Eu via o meu marido a morrer, a arrefecer e ficar pálido,
mas sendo o dia que era (13 de Maio) eu achava que podia haver
um milagre.
A doença de Alzheimer vai ser o mal do século
XXI?
Penso que vai ser a maior doença do século XXI,
atingindo cada vez mais pessoas e mais novas. Devíamos
olhar em frente e saber que as pessoas precisam ser ajudadas. É cada
vez mais difícil para as famílias suportarem, e
as ajudas estão fechadas de todos os lados.
A sociedade
ainda não está consciente para isso?
Penso que a sociedade ainda não despertou para a doença
de alzheimer, e começo pelos lares. Raramente aceitam
doentes de Alzheimer.
Porquê?
Porque eles carecem de cuidados especiais, de vigilância,
ficam dispendiosos porque requerem alimentação
adequada, medicamentos caros, técnicos especializados,
e as instituições não estão preparadas.
Esses doentes não podem estar, simplesmente, sentados
numa cadeira. Para quem tem um nível financeiro elevado,
há instituições belíssimas. Mas,
se fizerem uma análise às famílias, a maioria
são aquelas com mais carências económicas.
Há dias recebi cá uma família de França
e eles lá são apoiados a cem por cento. Cá,
temos sorte da Segurança Social de Leiria dar-nos apoios,
com fraldas, cadeiras, entre outros. Há seguranças
sociais de outros distritos que não ajudam com nada. Mas,
também temos um banco de ajudas técnicas e emprestamos
vários materiais.
Quantos doentes
são apoiados pela associação?
Temos 100 a 150 doentes e contamos com 200 sócios. Estatisticamente
a doença de Alzheimer atinge mais mulheres, mas não
há uma explicação plausível para
isso.
Não é complicado
para uma pessoa com uma vida profissional, passar a ser cuidador?
Noutro dia recebi uma família de extracto social elevado
e o familiar disse-me que, ao longo da vida normal cada um vez
a sua vida, e questionou como vai estar agora a viver esta vida
para e pelo doente. Já nas zonas rurais vê-se que
as pessoas são mais unidas. São pessoas que muitas
vezes trabalhavam juntas, que viveram cada momento juntas e que
estão mais unidas. Muitas vezes parece que o afecto até aumentou.
Pombal deverá ter um Centro de Dia para doentes com Alzheimer.
Não seria melhor um lar?
Na minha opinião o Centro de Dia é mais importante,
para que o familiar possa trabalhar e o doente estar lá com
técnicos, que o ocupem e que o façam sentir-se
gente. Nós, a nível do Centro de Dia, pensamos
que vamos preparar a família e ensiná-la a estar à noite
com o doente, para que seja uma continuação. Vamos
tratar os doentes como família, e esta, em casa, em casa
deve continuar. A família é a base de sustentação
dos doentes, eles se sentem mais seguros. Eles não esquecem
da família, e sem ela, sentem-se perdidos no mundo
Como está esse
projecto?
O projecto já foi feito, junto ao Bairro Social João
de Deus. Neste momento, uma cópia foi para a Segurança
Social, que irá ajudar com as alterações
necessárias. Depois deverá ser apresentado aos
Lions, que vão construí-lo, e à associação
nacional para ver se está dentro dos parâmetros.
Contamos ter capacidade para 15 pessoas com o apoio da Segurança
Social.
Como vão
manter o Centro?
Com as verbas da Segurança Social não conseguimos,
e já fomos alertados pela Associação, em
Lisboa, se aguentaríamos, porque as despesas são
muitas. Mas acredito que os pombalenses vão estar disponíveis
para ajudar, porque há muitas famílias afectadas
na região. Vamos ter que fazer eventos para ajudar, e
contar com voluntários, se queremos ter um centro digno,
com técnicos preparados para essa situação.
Apelo ainda a que as pessoas, quando os familiares morrem, não
deixem de ser sócias. São apenas 15 euros por ano.
Tratar com dignidade
Rosária Maria Cabral Santos Cardoso tem 55 anos. É natural
de Lamego, mas veio para Pombal aos três anos, devido ao
trabalho do pai. Estudou cá – “fiz o curso
industrial da Escola Secundária e gostava de trabalhar
com crianças, mas o curso era em Lisboa ou no Porto, e
os meus pais achavam que eu era muito nova para sair de casa” – e
com os concursos abertos para a área da saúde,
iniciei a sua carreira como funcionária pública
na unidade de saúde do Louriçal.
Foi naquela freguesia que conheceu o marido, natural de Sintra,
mas que morava no Louriçal, onde trabalhava com contabilidade. “Conheci-o
numa conversa de café sobre actividades subaquáticas.
Gosto muito da vida marítima, era fã do Jacques
Cousteau, e ele era mergulhador profissional. Casámos
em Fátima, corria o ano de 1972”, recorda com um
sorriso no rosto, acrescentando que tiveram um filho, dias anos
mais tarde.
Apesar de trabalhar junto a profissionais de saúde e acompanhar
muitos dramas, nada parecia ter preparado Rosária para o drama
que se abateu em sua vida. Aos 49 anos, o marido tinha a Doença
de Alzheimer. Durante 10 anos, Rosária alterou drasticamente
o seu modo de vida e tomou contacto com essa outra forma de vida.
O marido morreu há cinco anos, mas a experiência
entretanto vivida deixou marcas. Tantas que, membro da Associação
Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer – APFADA,
foi convidada, em 2003, para estar à frente da delegação
centro da instituição. “Fui eleita, mas com
a condição da delegação passar para
Pombal”, refere, acrescentando que “o meu grande
sonho era trabalhar com crianças. Agora, estou a trabalhar
com pessoas adultas que, de uma certa forma, voltaram a ser crianças.
Mas, elas são tratadas e respeitadas como adultos”.